Capoeiristas do Cras Pitanguinha visitam Serra da Barriga

Terceira edição do passeio marcou Dia da Consciência Negra ao percorrer a trilha da ancestralidade

Quem visita a Serra da Barriga e a vê rodeada por fazendas e alguns estabelecimentos comerciais, talvez imagine, de forma ingênua, que nada mudou passados 326 anos da luta e da resistência negra do Quilombo dos Palmares. O tempo, ensinam os historiadores, é memória que marca a nossa identidade cultural. Foi com esse propósito de resgatar a ancestralidade que o mestre Besourão levou um grupo de cerca de 60 pessoas até a Serra da Barriga, na data em que o Brasil celebrou o Dia da Consciência Negra.

O grupo saiu de Maceió no sábado (20) em um ônibus e duas vans. O ponto de encontro foi o Centro de Referência de Assistência Social, Cras Pitanguinha. É lá que o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos desenvolve, durante todo o ano, atividades com idosos que fazem aula de capoeira e que integram o coletivo Capoeiristas Formosas. Elas foram conhecer de perto, algumas pela terceira vez, o que significa na prática, o sentido de ser uma cidadã e um cidadão livres.

Mestre Besourão, que desde o final do ano de 2017, é professor do Serviço de Convivência do equipamento da Assistência Social, fundou pouco tempo depois, o grupo Capoeiristas Formosas. Ele, que tem formação em educação física e é especialista no ensino de capoeira, contou a finalidade do terceiro passeio temático, cujo intuito deste ano foi fazer a trilha da ancestralidade.

“É uma forma de a gente potencializar todo o trabalho feito durante o ano, com a culminância de uma aula in loco, no Parque Memorial Quilombo dos Palmares. Mostrar a elas na prática, observando, escutando, construindo e reforçando essa identidade cultural”, ensinou o mestre capoeirista.

O líder levou o grupo aos principais pontos que marcam até hoje a luta dos palmarinos pela liberdade, tais como o principal mirante, conhecido na época como Atalaia, local de vigília e observação. As capoeiristas se apresentaram em rodas de capoeira e de maculelê numa interação com outros grupos afro-alagoanos que estavam na Serra da Barriga.

No caminho até a Lagoa dos Pretos, os participantes realizaram vivências nos ambientes considerados sagrados. No primeiro momento, embaixo de uma gameleira, que fica próxima ao local onde estão as cinzas de Abdias Nascimento, considerado uma das maiores lideranças intelectuais do ativismo negro do Brasil no campo dos direitos humanos.

O segundo foi na Lagoa dos Negros, onde foi feita uma dinâmica em que os participantes simularam a lavagem de roupa, como as mulheres palmarinas faziam naquela época. Depois, houve uma vivência no local sagrado conhecido como Irôco, onde ainda resiste uma árvore cujo tronco oco é uma referência simbólica ao baobá.

O aposentado Flávio Silva Duarte revelou que, quando chegou na Serra da Barriga, sentiu a magia do lugar. “É a segunda vez que vim e é uma sensação maravilhosa”, contou o integrante do Serviço de Convivência.

Severina Lopes de Andrade, de 66 anos, trabalhou como empregada doméstica durante 27. Aposentada, está há mais de três anos participando das atividades do Serviço de Convivência do Cras Pitanguinha. Ela veio pela terceira vez à Serra da Barriga. “Eu gosto demais, sempre, desde o primeiro dia que eu vim, eu gostei. É muito bom! Depois que entrei na capoeira, conheci minhas amigas, que são como uma família”, revelou.

Já a aposentada Maria Araújo de Freitas, 78 anos, participa das ações do Serviço de Convivência há três anos, mesmo período em que começou a praticar a capoeira. Ela veio à Serra da Barriga pela segunda vez. “É maravilho e eu venho quantas vezes der para eu vir. É uma coisa importante para nós, nossa cor, nossa força, nosso povo. Estar aqui é maravilhoso”, confessou.

A assistente social Gal Souza coordena o Cras Pitanguinha há 10 anos. Ela informou que o trabalho realizado com o grupo de idosos, com a capoeira inclusiva, contribui para o retorno comunitário dos participantes à vida social e marca a construção de cidadania e direitos em datas como o Dia da Consciência Negra.

“Pensamos nessa luta, na resistência, em trazer de volta a ancestralidade e se reconhecer como cidadão negro e de direitos. Precisamos saber e vivenciar esse tipo de memória e celebração para que a gente consiga trazer sempre em pauta esse debate”, afirmou a coordenadora.

Quilombo dos Palmares

Contavam-se, cerca de 11 mocambos existentes na região dos Palmares, entre o final do Século XVI e durante todo o Século XVII, que estavam inseridos no território pertencente à Capitania de Pernambuco. Registros históricos indicam que no local viviam mais de 30 mil pessoas.

Os principais mocambos ficaram conhecidos pelos nomes de Cerca Real do Macaco, Subupira, Zumbi e Dandara. Naquela época, o Brasil era uma Colônia de Portugal e o estado de Alagoas não existia de forma oficial. A Coroa Portuguesa tinha como monarca Dom Pedro II, o último dos sete filhos de Dom João IV. Mas isso não impediu que a junção dos mocambos formasse o Quilombo dos Palmares, que funcionava como uma espécie de República, tendo cada um sua liderança, que obedecia ao poder de um comando central, dos quais se destacaram Acotirene, Gamba Zumba e Zumbi.

Naquele período, entre os anos de  1597 a 1695, quando os documentos históricos registram a morte de Zumbi dos Palmares, as lideranças femininas do Quilombo se destacavam. Havia a princesa Aqualtune, do Reino do Congo, trazida escravizada para a Colônia. Ela foi uma das líderes e a primeira mulher fundadora do Quilombo dos Palmares. A heroína Dandara também se destacou como uma grande guerreira que lutou contra as tropas coloniais pela liberdade.

Destaca-se ainda a liderança exercida por Acotirene, matriarca que esteve no Quilombo dos Palmares, antes de Ganga Zumba assumir a liderança. Pesquisadores apontam ao menos a presença de 17 lideranças de mulheres pretas que exerciam poder de decisão e participaram da luta pela liberdade em diversos outros quilombos existentes no território brasileiro.

Pesquisas arqueológicas apontam a presença marcante dos indígenas no Quilombo dos Palmares. Como referência ao feito, foram instaladas três ocas na Serra da Barriga. A resistência dos palmarinos durou mais de um século. Historiadores relatam ao menos uns 130 anos. Foi quando as tropas, pagas pela Colônia e pelo rei de Portugal, do mercenário, tratado pela historiografia branca como bandeirante, Domingos Jorge Velho, efetuou um dos maiores banhos de sangue no Quilombo dos Palmares, com a tortura e o assassinato de mulheres, homens, crianças e idosos.

Mestre Claudio e secretária de Turismo e Esporte Patrícia Mourão. Foto: Ascom Semas

Mestre Claudio

Mestre Claudio, padrinho das capoeiristas formosas e coordenador do Projeto Ginga Capoeira, enquanto descia a ladeira íngreme até a Lagoa dos Negros, contou o relato de um padre jesuíta da época.

“Ali na Lagoa as crianças brincavam e as mulheres lavavam a roupa. Na destruição de Palmares muitos corpos ficaram amontoados na água com as cabeças decepadas, segundo contou um padre jesuíta”, narrou mestre Claudio.

Mestre Claudio já representou Alagoas na Fundação Palmares. Ele trabalhou para a construção do Parque Temático Zumbi dos Palmares, na Serra da Barriga. E hoje é maestro da Orquestra Alagoana Didática de Berimbau que ensina aos participantes os significados dos toques e os tipos de jogos feito com o instrumento africano.

A secretária de Turismo e Esportes de Maceió, Patrícia Mourão, ao ver mestre Claudio na Serra da Barriga, lembrou do trabalho que eles realizam juntos para Alagoas ter a sua história de luta e resistência viva. A secretária, na época, trabalhava no Instituto Magna Mater. Ela conta que uma equipe disciplinar de mais de 250 pessoas criou e implantou o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, em 2007.

Capoeiristas do Serviço de Convivência do Cras Pitanguinha. Foto: Ascom Semas

“Essa data é um marco. Hoje a gente faz uma reflexão e uma memória sobre o que representou Zumbi, a resistência do Quilombo dos Palmares de mais de 100 anos, com líderes muitos importantes, como Ganga Zumba e Aqualtune, a primeira mulher fundadora do Quilombo dos Palmares. A gente celebra a resistência e a resiliência do povo negro, que é um exemplo não só para Alagoas, como para o Brasil e o mundo”, reforçou a secretária.

Cícero Rogério/Ascom Semas

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